MILWAUKEE — Donald Trump aceitou formalmente na quinta-feira à noite a indicação presidencial do Partido Republicano em um discurso repleto de referências ao tiroteio ao qual ele sobreviveu na semana passada e alongado por aplausos e frases improvisadas — coroando um momento muito aguardado que só aconteceu depois de uma campanha sinuosa e dramática.
Trump, agora o primeiro candidato presidencial de um grande partido a ser condenado por crimes graves, subiu ao palco dias depois de um atirador de 20 anos quase ter assassinado Trump durante um comício na Pensilvânia, disparando uma bala que atingiu a orelha direita de Trump e a deixou ensanguentada. O ex-presidente usou um curativo quadrado branco sobre sua orelha ferida durante toda a convenção, com alguns participantes usando o seu próprio em solidariedade durante o evento de uma semana.
“Deixe-me começar esta noite expressando minha gratidão ao povo americano por sua demonstração de amor e apoio após a tentativa de assassinato em meu comício no sábado”, disse Trump perto do início do discurso de 93 minutos. “Como vocês já sabem, a bala do assassino chegou a um quarto de polegada de tirar minha vida.”
O atirador feriu outros dois e matou o participante do comício Corey Comperatore, um ex-chefe de bombeiros da região. Trump o chamou de “um bom homem” e fez um minuto de silêncio para ele durante seu discurso. A jaqueta e o capacete de bombeiro de Comperatore foram colocados em exposição durante seus comentários, e Trump o chamou de “um bom homem” para aplausos, caminhando até ele para beijar seu equipamento.
Embora Trump seja conhecido por seus comentários públicos improvisados e postagens em mídias sociais, ele fez discursos altamente planejados em convenções no passado. O discurso de quinta-feira começou assim, mas ele logo desviou para agradecer longamente aos palestrantes e participantes e, em seguida, para envolver a multidão com apartes, impressões e, às vezes, desvios difíceis de seguir.
Seu discurso, conforme escrito, poderia ter sido feito por qualquer número de republicanos, mas a maneira como Trump o fez foi semelhante ao seu discurso habitual em seus comícios — um estilo inalterado depois que ele e seus aliados falaram a semana toda sobre como o tiroteio o havia mudado.
Ainda assim, o processo de redação do discurso foi interrompido no último minuto pela tentativa de assassinato, que dominou as partes iniciais dos comentários de Trump.
“Eu disse a mim mesmo, 'Uau, o que foi isso — só pode ser uma bala' — e movi minha mão direita até meu ouvido, abaixei-a, e minha mão estava coberta de sangue”, Trump disse a uma multidão silenciosa e emocionada sobre o momento em que a bala roçou sua orelha durante o comício, enquanto as câmeras de TV davam zoom nos participantes enxugando lágrimas de seus rostos. “Eu imediatamente soube que era muito sério, que estávamos sob ataque, e em um movimento, comecei a cair no chão.”
Trump refletiu sobre o movimento de cabeça que fez apenas um momento antes.
“O mais incrível é que antes do tiro, se eu não tivesse movido minha cabeça no último instante, a bala do assassino teria acertado perfeitamente o alvo”, ele disse. “E eu não estaria com vocês esta noite.”
A tentativa de assassinato poucos dias antes da convenção republicana deixou organizadores e assessores de Trump tentando descobrir como sediar uma festa planejada há muito tempo após uma quase tragédia. Nas apressadas 48 horas antes do início da convenção, assessores de Trump reescreveram não apenas o discurso de Trump, mas também enviaram uma mensagem a outros palestrantes da convenção para suavizar algumas de suas observações.
Trump mencionou o presidente Joe Biden apenas uma vez, algo que ele fez mais de 40 vezes durante seu discurso de aceitação da nomeação republicana em 2020.
O evento deu novo peso ao discurso de Trump quando ele se voltou para o que foram os principais pontos de sua campanha após cerca de 20 minutos. “Nós nos unimos esta noite mais determinados do que nunca”, disse Trump.
Antes de abordar questões políticas, Trump se defendeu do que havia sido o tema dominante da campanha de 2024 antes que a idade de Biden e a bala de um assassino alterassem drasticamente os termos da disputa: seus problemas legais.
Trump vinha enfrentando quatro indiciamentos separados, dois federais e dois estaduais, mas esses problemas legais diminuíram drasticamente nas últimas semanas, com a sentença adiada após sua condenação por acusações em Nova York, uma decisão da Suprema Corte dos EUA sobre imunidade presidencial com grandes efeitos colaterais em dois casos de interferência eleitoral que ele enfrenta na Geórgia e em Washington, DC, e a rejeição por um juiz federal nomeado por Trump na Flórida de um caso relacionado ao manuseio e retenção de documentos confidenciais depois que ele deixou a Casa Branca em 2020.
Trump e seus apoiadores, sem evidências, há muito culpam Biden e os democratas por seus problemas legais, argumentando que eles estão “armando” o sistema de justiça. Ele alegou que seus oponentes “usaram a Covid para trapacear” nas eleições de 2020 e vinculou seus casos legais a apelos generalizados para diminuir a temperatura da retórica política após o tiroteio.
“Não devemos criminalizar a dissidência ou demonizar a discordância política”, disse Trump em seu discurso na convenção. “Nesse espírito, o Partido Democrata deve parar imediatamente de armar o sistema de justiça e rotular seus oponentes políticos como inimigos da democracia, especialmente porque isso não é verdade. Na verdade, sou eu quem salva a democracia para o povo do nosso país.”
Trump usou a segunda metade de seu discurso para destacar profundas diferenças políticas entre ele e Biden em questões que vão desde imigração até política energética e economia.
“Eu acabarei com a devastadora crise inflacionária imediatamente, reduzirei as taxas de juros e diminuirei o custo da energia. Nós perfuraremos, baby, perfuraremos, o que levará a um declínio em larga escala nos preços”, disse Trump.
Trump falou sobre suas prioridades políticas em termos abrangentes, sem se aprofundar em muitos detalhes, mas seu discurso passou por suas principais prioridades políticas por anos, incluindo cortes de impostos, imigração, política externa e economia. O ex-presidente deu um foco especial aos altos níveis de inflação que perseguiram Biden durante grande parte de seu mandato.
“Temos uma crise inflacionária que está tornando a vida inacessível, devastando a renda de famílias trabalhadoras e de baixa renda e esmagando, simplesmente esmagando, nosso povo”, disse Trump.
Nos últimos meses, a inflação esfriou e, durante o mandato de Biden, foram criados 15 milhões de novos empregos, mais do que durante o governo Trump. Mas o aumento dos preços e outros problemas significam que a economia continua sendo uma das linhas de ataque mais eficazes dos republicanos.
Trump disse que a nação tem uma “crise de imigração ilegal” e prometeu “lançar a maior operação de deportação da história do nosso país” enquanto relatava exemplos de migrantes sem documentos cometendo crimes. Durante seu mandato, Trump instituiu a chamada política de “permanência no México”, que exigia que os requerentes de asilo permanecessem no México enquanto aguardavam uma audiência de imigração. Após uma briga judicial, Biden encerrou a política, e Trump disse que a traria de volta.
O ex-presidente também defende há muito tempo uma plataforma de política externa mais isolacionista, limitando a presença dos Estados Unidos em outras partes do mundo. É parte do que ele apelidou de sua agenda “America First”, que se concentra amplamente em mais gastos domésticos e em enviar menos dólares dos contribuintes para o exterior.
“A guerra está agora ocorrendo na Europa e no Oriente Médio, um espectro crescente de conflitos paira sobre Taiwan, Coreia, Filipinas e toda a Ásia, e nosso planeta está à beira da Terceira Guerra Mundial”, disse Trump.
Os democratas enquadraram a eleição não apenas como mais uma disputa presidencial, mas como uma luta pelo futuro da democracia. Eles argumentaram que, como Trump quer substituir funcionários federais apolíticos de longa data por seus aliados políticos e expandir o poder da presidência, seu retorno à Casa Branca refazeria drasticamente as instituições dos EUA.
E o discurso de Trump ocorreu em meio a uma tentativa democrata de afastar Biden após um desempenho medíocre no debate e várias gafes que colocaram em evidência a idade e as habilidades do titular.
Trump enquadrou a eleição como uma correção de curso.
“Com uma liderança adequada, todos os desastres que estamos enfrentando agora serão corrigidos, e serão corrigidos muito, muito rapidamente”, disse ele.
